Artigo, Produtividade

Comunicação Não Violenta (CNV): o que é e quais os benefícios?

Qualquer ser humano tem, na sua natureza intrínseca, a necessidade de se relacionar e comunicar. Diariamente, assistimos à comunicação verbal, não verbal, ao diálogo (ou falta dele), no local de trabalho, em ambiente escolar, familiar, entre amigos e, por vezes, criam-se equívocos, sentimentos que podem estar desenquadrados e necessidades não satisfeitas. Todos estes elementos são consequência de uma comunicação que ainda pode ser trabalhada. Neste artigo, iremos abordar a Comunicação Não Violenta (CNV) enquanto fator de pacificação e aplicada nas relações humanas.

Como nasceu o conceito?

No início dos anos 60, Marshall Rosenberg, norte-americano, desenvolveu a Comunicação Não Violenta, onde a base é a expressão com honestidade e a receção com empatia. Na sua infância, vivenciou episódios de violência, fontes de preconceitos de cor e cultura.

Mais tarde, tornou-se psicólogo clínico, escritor e professor. Percebeu que existem pessoas que contribuem e influenciam naturalmente a vida de outros indivíduos, atuando com compaixão mesmo quando o cenário não tem os melhores contornos.

Com este conhecimento, no início da sua carreira, Rosenberg desenvolveu a Comunicação Não Violenta ao trabalhar como orientador educacional em escolas e universidades para combater a segregação racial através da qualidade de conexão e colaboração mútua, o que permitiu uma maior capacidade na resolução de conflitos e resultados benéficos para ambas as partes.

O autor elegeu a designação de Comunicação Não Violenta inspirado nos trabalhos de resistência não-violenta de Gandhi e Martin Luther King. Pela sua experiência, Rosenberg sublinha que este tipo de comunicação gere ligações com maior afetividade e eficácia.

O que é a Comunicação Não Violenta?

A Comunicação Não Violenta é um tipo de comunicação que inclui aptidões comunicacionais de escuta ativa com entrega interior, do coração, promovendo a conexão entre os elementos que comunicam e possibilitam a compaixão que conduz a interações baseadas no respeito e na empatia.

Desta forma, é essencial que os feedbacks dados a estímulos comunicacionais não sejam automatizados. Torna-se relevante que as respostas sejam conscientes e focadas nas perceções do próprio momento, através da observação de comportamentos e outros elementos que possam influenciar cada comunicador.

Pilares da Comunicação Não Violenta

CNV

1. Observação

A primeira componente da Comunicação Não Violenta para poder, efetivamente, entender o que está a acontecer é a observação. Nesta fase, é essencial apenas ver e não julgar, deixar as interpretações pessoais fora da observação.

Trata-se da descrição pura do que aconteceu, tal como se os nossos olhos fossem apenas e só uma câmara de captar a imagem e o som para dar seguimento a uma comunicação produtiva.

Os julgamentos e avaliações fazem parte integrante do ser humano, e de uma forma natural, em determinadas situações, o nosso cérebro, ativa o modo “mecanismo de defesa”.

Podemos ilustrar a observação com os seguintes exemplos. Se uma pessoa disser: “Em cima da tua secretária estão duas canecas, um prato, um livro e diversas canetas”. Trata-se de uma observação do que consta, efetivamente, na secretária. Por outro lado, se a pessoa comunicar: “A tua secretária está sempre desarrumada, um verdadeiro caos, nunca arrumas nada”.

Perante estes dois cenários, a segunda opção irá, provavelmente, criar uma reação de defesa no recetor para além do comunicador estar em modo de julgamento e crítica generalizada ao referir “nunca arrumas nada”.

2. Sentimento

Na Comunicação Não Violenta é necessário perceber qual o sentimento positivo ou negativo que fica após uma determinada situação, isto é, identificar o que sentimos, como a felicidade, a calma, a gratidão, a motivação ou a tristeza, o medo, a agitação, a frustração, a raiva, o cansaço, a ansiedade, entre outros.

Neste ponto, a nossa humildade irá permitir a aproximação com os demais e auxiliar na compreensão entre o que se sente e o que pensamos/interpretamos. Para uma resolução de conflitos favorável, é importante fazer a distinção entre o que pensamos e o que sentimos.

Aliás, a nível emocional, é comum existir esta confusão e, por este motivo, torna-se cada vez mais relevante abordar o tema dos sentimentos e linguagem emocional desde a infância, porque ter um vocabulário de sentimentos adequado e enriquecido torna-se uma forte mais-valia em termos comunicacionais.

Exemplificamos com uma frase relativamente comum quando se diz: “Sinto que aquela pessoa me falta ao respeito”. Nesta frase, não temos o ‘sentimento’, temos a indicação acerca do pensamento, isto é, a pessoa ‘A’, “acha” que a pessoa ‘B’ lhe está a faltar ao respeito. Aqui, o sentimento associado poderia ser a tristeza.

Quando estamos numa comunicação que enumera “acho que”, estamos perante uma tendência de “achismos”. O objetivo é entender os sentimentos que determinada observação causou. Na Comunicação Não Violenta, os sentimentos transmitem as necessidades que podem ou não estar satisfeitas.

3. Necessidade

Ao entender qual o sentimento, a etapa seguinte é identificar a necessidade que está respetivamente associada.

As necessidades, sejam elas conscientes ou inconscientes, levam o ser humano a uma determinada forma de comunicar, de fazer ações ou escolhas de vida, entre outros. Marshall Rosenberg refere que: “por detrás de qualquer ação, existe uma necessidade humana universal”. Todos os seres humanos, sem exceção, independentemente da classe social, da idade, do género, das vivências, têm necessidades por preencher. O facto de quando comunicamos ter a noção deste fator e aceitá-lo permite uma melhor conexão humana.

Ao ter a consciência do que precisamos, isto é, de quais são as nossas reais necessidades nas interações humanas, podemos encontrar pontos de equilíbrio e até solucionar conflitos.

Por exemplo, em situações de trabalho em equipa, alguns momentos podem gerar tensões. Um elemento pode preferir iniciar determinados trabalhos/tarefas a poucas horas da data de entrega ou da apresentação. Enquanto uma outra pessoa da equipa pode preferir trabalhar com antecedência e gerir o seu tempo para fazer face a qualquer contratempo.

Tal situação pode criar controvérsia e existirem trocas comunicacionais como: “Estás sempre stressado/a, queres que tudo fique sempre perfeito” ou “és desleixado/a, deixas tudo para a última hora, depois andas sempre a correr”. Neste caso, a ideia não é saber quem está certo ou quem está errado, o foco é a resolução do conflito.

É necessário conhecer quais são as motivações que existem por detrás da opção de cada elemento da equipa. Assim, a primeira pessoa pode preferir trabalhar sob pressão com mais adrenalina. Quanto à segunda pessoa pode dar mais valor ao compromisso, ao tempo para elaborar as tarefas, à preferência em gerir com tranquilidade algum imprevisto. O diálogo leva à compreensão das necessidades de cada indivíduo e de como cuidar com respeito de cada necessidade.

Através da compreensão das necessidades existe um aumento da perceção do que a outra pessoa faz ou até comunica, as necessidades estão associadas aos sentimentos. Desta forma, é sempre possível chegar a um entendimento e encontrar um equilíbrio organizacional.

4. Pedido

O quarto ponto da Comunicação Não Violenta prende-se com o “pedido”, ou seja, através de uma solicitação conseguir identificar o que as pessoas podem fazer no sentido de ajudar.

Através de um pedido específico, associado a ações concretas, podemos deixar explícito o que se pretende da outra pessoa. Estamos a dar a oportunidade de colaboração e torna-se importante que haja uma verdadeira compreensão do pedido. O uso de uma linguagem positiva é extremamente benéfico, bem como evitar termos ou frases gerais e abstratas.

Neste sentido, a pessoa que faz o pedido deve estar recetiva a que do outro lado possa haver um “sim” ou um “não”. O facto de existir a dificuldade de ouvir o “não” é um sinal de alerta porque, afinal, a pessoal está a fazer uma exigência e não um pedido concreto. Refletir acerca da forma como efetuamos pedidos é essencial para que a Comunicação Não Violenta tenha uma real conexão e empatia.

Em termos culturais, existem imensas crenças em torno da ação de “pedir”. Em alguns casos estamos perante o facto de, simplesmente, não querer incomodar, ter o receio de ser interpretado como uma fraqueza, ou até mesmo evitar efetuar o pedido porque parece algo de tão óbvio que nem requer pedido. Todas estas crenças tornam-se limitativas e levam à criação de conflitos afastando a conexão.

O ideal é chegar ao momento em que o pedido permita a evolução de todos os elementos envolvidos. Nesta fase, a necessidade é transformada numa ação positiva e concreta.

Áreas de aplicação da CNV

Nos seus estudos, Marshall Rosenberg identificou 3 áreas base onde, com a prática, podemos aplicar a Comunicação Não Violenta: a autoconexão, a empatia e a expressão honesta.

Comunicação Não Violenta (CNV)

a) A autoconexão é associada ao que o ser humano entende com o que acontece com ele próprio quando está perante um estímulo específico e se autoquestiona: “Perante esta situação, o que estou a sentir agora?”, “Qual o motivo de ter este sentimento?”, “O que considero mais importante para mim?”, “Preciso de ajuda, faço um pedido?”.

b) A empatia está relacionada com a forma de escutar as mensagens que recebemos. Surge, aqui, a curiosidade empática, que M. Rosenberg identifica como o ato de “escutar para além das palavras”, ou seja, manter a nossa atenção plena no que o nosso interlocutor pode, naquele preciso momento, estar a necessitar e a sentir.

Em função da situação podemos criar mentalmente ou até verbalmente, hipóteses empáticas e partilhá-las mediante os princípios da Comunicação Não Violenta para entender as motivações da outra pessoa e permitir uma abertura denominada “expressão honesta”.

c) A expressão honesta é o facto de poder expressar perante o outro indivíduo o que realmente sentimos, a nossa necessidade. Esta transparência é uma ação fundamental da Comunicação Não Violenta que permite à outra pessoa perceber melhor o que estamos a pedir.

Neste ponto, torna-se relevante sublinhar que a Comunicação Não Violenta não é conseguir o que queremos, como e quando desejamos, é a criação de uma conexão de qualidade para uma colaboração empática.

Benefícios da CNV na comunicação organizacional e gestão de equipas

Nesta fase, já conseguimos ter uma ideia mais concreta acerca da Comunicação Não Violenta e de todo o seu potencial. Algumas empresas já integram a CNV enquanto estratégia distintiva para desenvolver relações de parcerias com o exterior e promover a cooperação positiva internamente o que leva a uma forte cultura organizacional.

Tal como abordado no artigo A importância da Comunicação Organizacional, torna-se pertinente relembrar que “uma boa comunicação organizacional passa pela felicidade no trabalho” e que a Comunicação Não Violenta tem um papel essencial, pois requer soft skills fundamentais, tais como a empatia, escuta ativa, flexibilidade (adaptação às mudanças), humildade, entre outros, que levam as pessoas a ter uma inteligência emocional mais desenvolvida.

A Comunicação Não Violenta terá ainda maior impacto “quando a gestão interna trabalha a pensar no equilíbrio dos colaboradores de uma forma integrada (…) Uma comunicação organizacional humanizada e devidamente trabalhada em equipa (…) reduz os erros de comunicação aos vários níveis e, caso venham a existir, as ações preventivas e corretivas serão tomadas com maior celeridade e eficiência”.

Desta forma, ao potenciar o desenvolvimento da inteligência emocional das equipas com base na CNV, as empresas terão resultados positivos ao nível da produtividade e motivação, por sua vez, da comunicação e clima organizacional.

Neste sentido, se uma empresa tiver na sua essência uma CNV com canais de comunicação abertos para receber sugestões, opiniões, ideias, com uma escuta ativa e corporativa, haverá uma mediação e resolução dos eventuais conflitos verbais ou físicos, otimização do trabalho em equipa e criação de ambientes de saudáveis.

CNV

Em termos de Comunicação Não Violenta e para iniciar ações práticas com abertura ao diálogo, as organizações devem ter a consciência de que um diagnóstico prévio é essencial, ou seja, deve ser feito um estudo acerca do clima organizacional. Uma comunicação organizacional de qualidade e uma gestão de alta performance permitem perceber como as pessoas comunicam e se relacionam.

Nesta fase, um líder que pratica a Comunicação Não Violenta torna-se uma mais-valia, pois com esse perfil será um exemplo, as equipas sentir-se-ão mais seguras para abordar todos os temas e estarão disponíveis em criar relações de confiança. Um líder com esse perfil trabalha a liderança positiva e tem, igualmente, facilidade em estimular o desempenho dos colaboradores, bem como potenciar o desenvolvimento de talentos.

Em suma…

É importante ter a noção de que se pretendemos praticar a Comunicação Não Violenta tal não sucede de um dia para o outro. Requer treino. Muito treino e onde a consciência da mudança na comunicação deve iniciar na própria pessoa.

A Comunicação Não Violenta não é uma técnica composta por diversas estratégias ou uma fórmula que pode ser reproduzida em várias situações e que irá conduzir a um mesmo resultado.

A Comunicação Não Violenta é um conhecimento prático que procura melhorar a comunicação através da compreensão em que o uso das palavras tem um papel fundamental na capacidade de comunicar com compaixão e empatia para fortalecer as conexões humanas.

Cristina Nobre

Mestre em Marketing pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Licenciada em Comunicação Organizacional pela Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), Cristina Nobre é especialista em Comunicação e Marketing, áreas onde atua desde 2004. Atualmente, é Técnica Superior de Comunicação no Politécnico de Coimbra (IPC).

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