Qualidade Industrial, Pré-embalados
Pré-embalados líquidos: o caso das tintas, colas e vernizes
À partida podemos considerar que, sabendo como fazer o controlo metrológico de pré-embalados líquidos, o conteúdo efetivo de qualquer um deles se determina da mesma forma.
Na verdade, as diferenças não são assim tão grandes, mas existem alguns detalhes, no controlo de produtos como as tintas, colas e vernizes, para os quais devemos ter particular atenção, para efetuarmos medições justas e rigorosas.
Deixo aqui uma reflexão sobre as principais preocupações e dificuldades que podemos encontrar no controlo deste tipo de produtos.
O que encontra neste artigo?
Enchimento de bases
No caso particular das tintas, uma grande parte das embalagens que se produzem são bases. As bases são tintas cuja cor será afinada antes do seu consumo final.
Esta afinação de cor será realizada já na venda direta ao consumidor, em máquinas (sistema tintométrico) que doseiam as diferentes cores de tinta para produzirem a cor deseja pelo consumidor. Para que isto seja possível, as bases saem das fábricas com uma quantidade ligeiramente inferior à quantidade nominal declarada no rótulo da embalagem.
Na indústria das tintas, o enchimento de bases é feito utilizando um fator de enchimento. Por exemplo, se tivermos uma tinta de 4L com um fator de enchimento de 0,97, significa que a quantidade de base na embalagem será igual ao valor nominal multiplicado pelo fator de enchimento, pelo que a embalagem terá apenas 3880 mL e não 4000 ml como seria de esperar.
Supostamente, a quantidade em falta será posteriormente adicionada quando for feita a afinação da tinta. Assim, o controlo em fábrica será feito tendo como valor alvo os 3880 mL, embora na embalagem estejam declarados 4000 mL. Este ajuste no enchimento das bases parece fazer sentido, principalmente se a capacidade das latas não permitir uma quantidade superior aos valores declarados.
No entanto, do ponto de vista do consumidor, poderia haver uma maior transparência na informação contida no rótulo do pré-embalado, devendo o mesmo indicar a quantidade real de base, se esta for diferente da capacidade total da embalagem, sob pena de induzir o consumidor em erro.
Determinação da massa volúmica
As tintas, as colas, os vernizes e outros produtos com características semelhantes, são produtos com uma viscosidade elevada e que, além disso requerem, frequentemente, a utilização de determinados solventes para limpar os equipamentos usados no seu manuseamento. Por isso, a determinação da massa volúmica nem sempre pode ser feita com recurso a equipamentos digitais, correndo o risco de danificar os mesmos.
Habitualmente são utilizados picnómetros metálicos (ver figura 1), pois são equipamentos mais robustos e que podem ser lavados com agentes químicos mais agressivos sem que as suas características metrológicas se alterem.
Figura 1: Picnómetro metálico utilizado na determinação da massa volúmica de tintas.
O problema da utilização destes equipamentos é precisamente o tempo despendido na determinação da massa volúmica, incluindo a limpeza do equipamento.
Os picnómetros metálicos mais comuns para a determinação da massa volúmica são os de 50 mL ou de 100 mL, não se recomendando a utilização de picnómetros de 25 mL.
A escolha do mesmo deverá ser feita em função da resolução do instrumento de pesagem que se dispõe para realizar as pesagens do mesmo, sendo que a precisão da medição será tanto maior quanto maior for a capacidade do picnómetro e a resolução do instrumento de pesagem.
A temperatura de referência da massa volúmica
Conforme referido noutros artigos, a Portaria n.º 1198/91 de 18 de dezembro, bem como o guia refere que a temperatura de referência para a determinação do conteúdo efetivo de pré-embalados líquidos é de 20 °C.
No entanto, para o setor das tintas, a norma ISO 2811-1, relativa à determinação da massa volúmica de tintas e vernizes pelo método do picnómetro, é indicada, para efeitos de referência internacional, a temperatura de 23 °C.
Quando a massa volúmica é determinada a uma temperatura de referência maior do que 20 °C, a quantidade de produto nas embalagens será sempre inferior à quantidade de produto que essas mesmas embalagens teriam caso se tivesse utilizado a massa volúmica à temperatura de 20 °C.
Por esse motivo, é importante que mesmo determinando a massa volúmica a outra temperatura esta seja convertida para a temperatura de 20 °C. Aliás, a própria norma refere o seguinte: “Contudo, pode ser mais conveniente, em ensaios comparativos, usar qualquer outra temperatura acordada, por exemplo (20,0±0,5) °C”, dando inclusive orientações para proceder à correção da massa volúmica.
Se esta correção não for realizada, o setor das tintas sairá beneficiado relativamente a outras indústrias que embalam produtos líquidos, o que não é, de todo, o que se pretende com o controlo metrológico de pré-embalados.
Manuseamento e manipulação dos produtos
Fazer o controlo metrológico de pré-embalados líquidos é, na sua essência, igual para todos eles. Determinam-se os pesos líquidos dos produtos e dividem-se os mesmos pelas massas volúmicas.
São as particularidades inerentes à natureza dos próprios produtos e dos seus processos de fabrico que determinam as diferenças que devem ser consideradas nas medições.
No caso das tintas, colas e vernizes, além dos fatores de enchimento e da determinação das massas volúmicas é muito importante conhecer também que tipo de solventes devem ser utilizados para proceder à limpeza dos materiais e equipamentos utilizados no manuseamento e manipulação destes produtos, caso contrário poderão ocorrer vários constrangimentos, nomeadamente, danos irreparáveis nos equipamentos e nos meios de suporte às medições.
Outro aspeto muito importante a considerar tem a ver com o facto deste tipo de produtos apresentarem na sua composição agentes químicos que podem ser prejudiciais para saúde de quem os manipula.
É importante evitar contacto direto com as substâncias, utilizando luvas de proteção, bem como manusear os produtos em locais devidamente arejados e/ou utilizar equipamento de proteção respiratório sempre que se verificar a libertação de vapores.
É importante ter acesso às fichas técnicas dos produtos, precisamente para saber em que condições devem ser manuseados os produtos e que cuidados se devem ter.
Mestre em Eng.ª do Ambiente, Rui Manuel Pedrosa da Silva realiza e coordena, desde 2008, ensaios de verificação metrológica de Pré-embalados. Desde 2012, participa como formador e orador em vários seminários e formações sobre Controlo Metrológico de Pré-embalados. Atualmente desempenha funções de Gestor da Qualidade e Diretor Técnico na empresa Aferymed.